Fabricar crianças?
A mais evidente dessas correntes complexas é a corrente hedonista que, na união conjugal, separa o fim unitivo do fim procriativo.
Por um lado, essa corrente exalta unilateralmente certos modos de ação e de comportamentos unitivos no casal, excluindo os comportamentos procriativos. A dimensão unitiva insiste no prazer e no individualismo hedonista e utilitarista. Vejam o que acontece com a contracepção. Não há abertura ao outro, não há reconhecimento da identidade do outro, da diferença que me distingue do outro. Cada um quer fazer aquilo que tem vontade de fazer.
Por outro lado, a dissociação, a separação entre os dois fins do casamento, escancara a porta à exaltação unilateral da finalidade procriativa, excluindo os efeitos unitivos. Considera-se então que suscitar a vida é uma questão de técnicas e que o enlace amoroso entre homem e mulher não tem nada a ver com isso.
Esses comportamentos unitivos e essas técnicas procrativas podem eventualmente ser controlados pelos poderes públicos. No limite, corremos o risco de logo nos encontrarmos numa sociedade onde não haverá mais lugar para um amor responsável. Se for o caso, os pais serão despojados de toda autoridade, de todo direito e de todo dever diante das suas crianças.
A dissolução voluntarista dos dois fins da união conjugal é o ponto focal tocado em 1968 pela encíclica Humanae Vitae (ver o número 12), pela exortação sinodal Familiaris Consortio (1981) e por numerosos documentos magisteriais entre os quais a instrução Donum Vitae (1987) e o estudo Família e procriação humana (2006). Se chegarmos a separar os dois fins da união conjugal, e do casamento que sela essa união, tudo pode resultar dessa dissociação provocada e radical.
Uma vez que exaltamos unicamente o fim unitivo, rapidamente chegamos a todo o género de práticas sexuais: homossexualismo, lesbianismo, fornicação, etc. Deixa de haver lugar para a fidelidade, pois o que importa unicamente é o prazer, o interesse de cada indivíduo. Esse homem deixa de ser uma pessoa, um ser capaz de se abrir livremente a uma outra pessoa; é um indivíduo que busca o seu próprio gozo.
Quando, ao contrário, se exalta unicamente o fim procriativo, chega-se a outras consequências, entre as quais, por exemplo, a procriação medicamente assistida, a gestação por terceiros, a tecnização da transmissão da vida a ponto de chegarmos à modificação genética do ser humano. O homem deixa de se fazer num lar de amor. Não há maternidade, nem paternidade; por conseguinte, não há mais filiação nem consanguinidade. Com a chegada do anunciado útero artificial não será necessário que a mulher abrigue uma criança no seu seio.
Todos esses processos são evidentemente o resultado de experiências longas e complexas. Os abortos fazem-se “necessários” para resolver os “insucessos”. Um exemplo de insucesso? A intolerável chegada de um ser que não se quer, precisamente em nome da exaltação unilateral do fim unitivo. Assim, os embriões produzidos in vitro e depois implantados serão seguidos de perto durante a sua gestação. Se se verificarem anomalias, serão abortados. Lembremos aqui que os casos em que se assinalam anomalias são mais frequentes nas fecundações in vitro do que nos casos de fecundações naturais. Por outro lado, um número excedente de embriões é “inevitável” para a experimentação com células tronco embrionárias.
Sob a pressão das ideologias hedonistas, são geradas crianças proporcionalmente aos prazeres dos parceiros, às necessidades da sociedade, tais como estas são definidas pelos “sábios”, por economistas, por demógrafos, por políticos ou por tecnocratas com forte impregnação ideológica. A seleção está inscrita nessa tecnização; está na lógica da ideologia liberal selecionar: o produto deve ser impecável, se não será enviado ao descarte. Conhecemos a seleção racial; aqui o que conta, é a seleção política, económica, a qualidade do produto fabricado. O homem e a mulher alienam-se: transferem para máquinas e para incubadoras a fabricação de crianças. Eventualmente a criança, o produto fabricado, poderá ser comprado, vendido ou escolhido em catálogo.
Assim como deve haver o aborto “seguro”, deverá também haver a procriação “segura”. É preciso “libertar” a mulher da sua capacidade de procriar porque a procriação natural é muito arriscada. Atualmente, muitas mulheres não têm filhos porque a procriação é tida como não-segura.
Assim, abre-se o caminho ao prolongamento de uma vida gozosa e livre das constrições conjugais e parentais. A transmissão da vida já não se faz segundo uma perspectiva humana; obedecerá a planeamentos ideológicos. Enfim, na outra ponta da vida, teremos em breve a eutanásia de massa.
O que está em jogo no trans-humanismo
Esses são alguns dos pontos em jogo e que podemos observar nos debates atuais sobre o trans-humanismo: as novas técnicas – asseguram-nos – oferecem aos homens meios que permitem dispor dos corpos e fabricar super-homens. Desculpem a modéstia! Resumindo, assistimos à impulsão de um novo eugenismo e mais precisamente à construção de novas espécies “humanas” modificadas geneticamente e hibridificadas com máquinas. Uma tal hibridização entre o corpo vivo e a matéria morta é irreversível. Assistimos à destruição irreversível da integridade do corpo humano. Decididamente, a cultura da morte espalha-se por toda parte...
Hoje em dia, mesmo em certos estabelecimentos hospitalares que se dizem católicos, praticam-se intervenções tais como o aborto, as procriações medicamente assistidas, as pesquisas com embriões, sem esquecer a eutanásia, etc. Quantas vozes, no laicado, no clero e no episcopado, fazem um convite a que se reconsiderem essas práticas? Diante desse mutismo, é preciso fazer valer o carácter indissociável entre os fins da união conjugal e o casamento. Com efeito, é a separação entre os dois fins que escancara a porta aos múltiplos desvios que hoje conhecemos. Os efeitos perversos da separação entre os dois fins do casamento vão muitíssimo além da esfera íntima onde essa separação tem início. Aqueles que atacam à Humanae Vitae, à Familiaris Consortio, à Donum Vitae e aos outros documentos magisteriais devem ter percebido que no ensinamento da Igreja não basta sublinhar porque é que a Igreja recusa a contracepção e o aborto, nem porque é que a Igreja recusa a ideologia do género; essa ideologia não é senão um dos avatares da dissociação de que tratamos. É preciso então colocar em evidência que uma vez admitida a separação entre os dois fins da união conjugal, abrem-se sem nenhuma rede de segurança todas as possibilidades oferecidas pelas técnicas e asseguradas pelo "direito".
Quanto àqueles que, na Igreja, batalham para que esse cisão seja admitida, devem saber que correm o risco de provocar um cisma do qual deverão prestar contas a Deus e aos homens.
O Terror, ontem e hoje
A discussão aqui travada não diz respeito unicamente aos cristãos de hoje e aos seus adversários. As correntes individualistas que se encontram na origem dos desvios que acabamos de evocar, desenvolveram-se inicialmente em Inglaterra, sempre líder intelectual nessas matérias, depois nos Estados Unidos, estrategistas do eugenismo mundial e país onde os médicos fazem morrer, sem que isso suscite discussão. Em igual medida, essas correntes difundiram-se a partir da Alemanha. Recordemos que foi nesse país que se difundiram e foram postas em prática as ideologias celebrando o racismo e o eugenismo, bem como a eutanásia.
Ora, essas mesmas correntes desenvolveram-se sobretudo na França a partir do 'século das luzes'. É a partir de França que se forma, se desenvolve e se exporta uma poderosa corrente exaltando o indivíduo, o “sujeito”, a sua razão, a sua liberdade, o seu direito ao prazer, as suas paixões. A França tornou-se a portadora mundial da tocha da laicidade republicana. Segundo diferentes impostações, a religião revelada é rejeitada. O homem progride, garantem-nos, apoiando-se tão somente na sua razão e na sua experiência; deve-se dar lugar à religião civil ou ao ateísmo. As paixões devem estar ordenadas à maximização do leque de voluptuosidades. O direito ao prazer erótico, levado certas vezes ao paroxismo do direito à destruição, é reivindicado e confortado pela rejeição de Deus.
Ora, após ter-se matado Deus ou agindo como se Deus não existisse, torna-se difícil encontrar o fundamento do direito. É essa uma das maiores dificuldades do iluminismo, versão francesa. Desde o século XVIII, uma fração significativa e atuante da intelligentsia francesa esforçou-se, em nome da liberdade, de dar ao Terror um lugar na vida pública. Com uma obstinação acachapante, os manuais de história politicamente corretos transmitem de geração em geração a vulgata revolucionária.
Não obstante, impõe-se uma revisão dessa vulgata, ainda que essa revisão seja perturbadora. Os meios de comunicação social e a opinião pública ergueram-se recentemente, e com razão, face às decapitações e outros atos de barbárie ocorridos na área de influência do Islão integrista. Porém, é desonesto ocultar, como se faz nas arengas politiqueiras e nos manuais escolares, que foram os senhores da guilhotina a guilhotinar em série e a exportar a sua técnica aprimorada. Esse desvio cruel observa-se ainda hoje. Orgulhosos da sua ascendência voltairiana, as forças da laicidade agitam como lúgubre troféu a marca de 200.000 abortos por ano em França. O terrorismo revolucionário instalou-se de modo duradouro, em nome da liberdade. Querendo ir muito além do necessário, a França não deixa passar a ocasião de se autoproclamar “Pátria dos Direitos do Homem”, um erro histórico grosseiro, mas útil à causa de um messianismo arrogante.
A questão do mal, hoje
Na atual situação, a questão do mal coloca-se como jamais se colocara antes. É verdade que há tentativas notáveis de se analisar o mal tal como se apresentou nas grandes ideologias totalitárias do século XX. Frequentemente se invocou uma perturbação da razão. Mas hoje, em nome de uma perversão da verdade, desde já desnorteada, somos confrontados com uma tentativa sem precedentes na história da humanidade: aquela de destruir a própria humanidade, de destruir a capacidade que o homem tem naturalmente, ou seja, a capacidade de amar. A recusa de tomar consciência do plano de Deus para o homem! Essa destruição leva por fim à destruição do corpo do homem pela destruição irreversível da sua integridade genética. É o maior drama da história da humanidade.
Não há muito tempo, Hilary Clinton pediu a ONU que o direito ao aborto fosse proclamado à escala universal. Vejam a perversão que espreita o direito: como podemos reduzir um ser humano a um objeto do qual se pode dispor até a destruição? Um ser humano é para ser acolhido, respeitado: não é objeto de um direito; os juristas dizem que ele não está disponível. Eu tenho direito de comprar pão, um automóvel ou uma casa. Mas não tenho direito, eu que sou um ser humano, de matar alguém, de eliminar outro ser humano. Ora, a partir da dissociação entre os fins não importa o que passa a ser não somente legalizável, mas até mesmo legal; o próprio direito vê-se desnaturado. No torvelinho dos acontecimentos, a medicina é também pervertida, uma vez que em vez de procurar curar, melhorar a saúde, suavizar os sofrimentos, coloca-se a serviço da morte, tanto antes quanto depois do nascimento. Na Bélgica, por ocasião do debate sobre a eutanásia de crianças (em 2014), legiferou-se: a lei passou sem problemas; não houve se não alguns protestos, enquanto que, o que está em jogo em todos esses debates é o próprio futuro da humanidade.
Proteger a moral natural
Todas essas questões novas não podem ser resolvidas por uma casuística como esta aqui: “Em tal caso pode-se abortar, em tal caso não se pode; em tal caso se pode praticar eutanásia, em tal outro não”. Limitamo-nos a decidir casos pontuais de consciência sem nos referirmos aos princípios fundamentais da moral. Essa casuística é de certo modo precursora da moral de situação. O que é preciso é ir verdadeiramente à origem do problema e reencontrar, na destruição dos fins do casamento, as raízes da ação de Satanás, hoje, na história da Humanidade e no coração dos homens.
Convém ainda acrescentar uma reflexão a propósito da casuística que viemos de mencionar. A Igreja se encontra em uma situação espantosa. Altos prelados, vindos sobretudo das nações opulentas, empenham-se em introduzir modificações na moral cristão referente aos divorciados-recasados e a outras situações problemáticas das quais algumas delas foram citadas aqui. Esse Guardiões da Fé não deveriam, contudo, perder de vista que o problema fundamental colocado pela destruição dos dois fins do casamento é um problema de moral natural. É no plano natural que o homem e a mulher são chamados a unirem-se, para testemunharem o afeto, e para procriarem. É essa a realidade natural que o Senhor elevou à dignidade de um sacramento. Diante das potencias que abalam atualmente a família, a Igreja deveria descobrir a sua vocação de ser a única instância à altura de salvar a sexualidade humana e a instituição natural do casamento e da família.
Não se trata apenas de salvar a moral cristã; é preciso salvar e proteger a moral natural. Não é possível que, por meio de procedimentos casuísticos caprichosos, católicos de todos os estratos e de todas as idades contribuam para a destruição da moral natural. Os grandes desvios surgiram quando certos intelectuais católicos começaram a dizer e a escrever: “Sinal verde para o aborto, para as uniões entre pessoas do mesmo sexo, para a eutanásia, etc...”. Ora, a partir do momento em que os católicos seguem este caminho fatal, contribuem para a destruição da instituição natural do casamento. É toda a comunidade humana que se vê cindida com essa nova “traição dos clérigos”.
Vale a pena levantar aqui uma questão chave: o Magistério da Igreja é competente para modificar a moral natural? Uma redução da moral natural a uma moral puramente casuística leva certos teólogos e certos pastores a equacionar a redução do direito fundado na natureza do homem. Por ocasião de um processo recente e muito divulgado nos meios de comunicação social, comentou-se repetidamente que o direito nada tinha a ver com a moral. A partir daí, não há direito se não o direito puramente positivo, originário da vontade isolada do legislador. Nesse último caso, já não há direito que seja inato ao homem pelo simples fato de ser homem. Não há se não os direitos definidos pelas instâncias políticas nacionais, internacionais e mundiais. É de se ter calafrios pensar que a generalização de um direito assim prenunciasse a instauração de uma sociedade “global”, isto é mundial, teleguiada pela vontade dos mais fortes.
Resumindo, em vez de proteger a célula familiar da sua detonação, da sua fissura, o próprio direito coloca-se ao serviço da destruição da pessoa e da família. O papel do direito não é, ao contrário, proteger o núcleo conjugal, familiar e os frutos que dele decorrem, a saber, os filhos?
A recepção dos ensinamentos pontificais
O beato Paulo VI conheceu a incompreensão e rejeição quando da publicação da encíclica Humanae Vitae, encíclica que tanto o fez sofrer. Disse: “Ainda me agradecerão por ter publicado este documento”.
S. João Paulo II retomou esse ímpeto com o seu compromisso em favor dos mais pobres e dos mais vulneráveis. Daí os seus repetidos apelos para que se pusesse um fim à banalização do aborto e à sua legalização. Nas intervenções posteriores de João Paulo II, foram examinadas outras questões cruciais. O Papa aborda ali, entre outras, as políticas de controle de nascimentos, especialmente nos países do terceiro mundo. Menciona também o aumento da esperança de vida do nascituro, principal causa do envelhecimento da população, envelhecimento que por sua vez, é invocado com vistas à legalização da eutanásia. Estamos, portanto, diante de um conjunto de problemas emaranhados aos quais as pessoas estão mais e mais atentas, ainda que estejam frequentemente pouco ou mal informadas, como mostram as discussões nos países ocidentais sobre as adequações a serem feitas na idade da reforma.
S. João Paulo II exprimiu no rosto, no seu comportamento, na sua ação, nos seus discursos, nas suas encíclicas, com toda a sua maneira de ser que foi um mediador entre Deus e os homens. Em todos lugares onde foi, no mundo todo, foi percebido como um enviado de Deus, mesmo entre os não-cristãos. Era um ícone vivo de Deus entre os homens. Deu aos homens a confiança necessária para que as pessoas se engajassem no serviço à vida e à família. S. João Paulo II é o Papa que terá salvado a família, que terá salvado incontáveis vidas humanas com o poder da sua palavra. Desse ponto de vista, S. João Paulo II aparece no primeiro plano das figuras carismáticas da Igreja contemporânea. Tinha efetivamente um contato extraordinário com os homens, as mulheres, as crianças de todos os meios. Mas aquilo que mais nos retém a atenção, é sua determinação em salvar a vida e a família. Ele mobilizou as pessoas e os casais suscitando-lhes a audácia de lançarem-se à aventura de serem pais, de acolherem a vida, de serem profissionais da ternura.
Será preciso que a Igreja retorne à Humanae Vitae de Paulo VI, bem como aos ensinamentos de João Paulo II e de Bento XVI sobre essas questões. O Papa Francisco permanece na trilha dos seus predecessores cada vez que sublinha a coincidência entre o Evangelho do amor e o Evangelho da alegria. Será preciso fortalecer o peso magisterial de todo esse ensinamento, colocar em relevo a sua coerência e proteger esse tesouro contra os predadores.
A conversão do coração
Não é pretendendo modificar o homem ou “melhorá-lo” por meio de técnicas arriscadas que se irão elevar os indicadores de justiça, de bem estar e de felicidade. As técnicas disponíveis atualmente lançam-se rumo a lugar nenhum; cedem o leme ao sonho. A utopia está em vias de assumir o comando do mundo mas não resultará em nada. Ela necessita da ideologia para convencer o homem da “legitimidade” da transgressão. As utopias cientificistas ou políticas de hoje não fazem senão espelhar a enésima sociedade ideal. Pretendem que para alcançar esse fim seja preciso modificar o homem ou reconstruí-lo. Sem essa modificação do homem, a construção da sociedade ideal estará bloqueada. Segundo essa lógica, os cristãos serão desprezíveis se recusarem aderir a esse projeto; devem ser perseguidos.
Ora, o homem de hoje deve libertar-se dessas armadilhas ideológicas que o confinam em novas escravidões. O que é preciso é restaurar o respeito devido ao homem. É preciso chamar o homem à conversão do coração para que possa abrir-se aos valores verdadeiros e comprometer-se no seu serviço. Essa restauração do homem implica uma etapa preliminar: é preciso desmascarar as armadilhas prometeicas e tornar manifesto o peso de pecado que elas injetam nas nossas sociedades.
Essa reapropriação do homem por ele mesmo permite que se tomem hoje medidas em função da sociedade que se quer construir. É o que nos ensinou a prospectiva. A moral não pode mais satisfazer-se com a previsão que vê no futuro uma simples extrapolação do presente. No caso da previsão, o futuro previsto está determinado; ele escapa à responsabilidade moral. A prospectiva por sua vez, considera que esse futuro se constrói, não é o objeto de um sonho; é ele que determina o presente e faz da decisão um ato moralmente responsável.
Levar a esperança ao mundo
Dessas novas escravidões o homem não sairá se não voltar a ser senhor de si, reafirmando a sua capacidade de discernir e decidir. Prever o futuro como mera extrapolação do presente, como o seu prolongamento, não é de modo nenhum suficiente para dar sentido à ação. Uma concepção previsionista do futuro não abre espaço algum à decisão livre e responsável, pois o futuro já está ali determinado. A moral da responsabilidade convida-nos a agir no mundo de hoje tendo em vista um mundo melhor que desejamos preparar para os jovens de hoje.
Toda a moral referente à sexualidade humana e à família deve dirigir a sua reflexão para o longo termo. O futuro que preparamos para as gerações que virão depende da qualidade das decisões que tomamos – ou não tomamos – hoje. Os pobres e as crianças são nossos senhores. Devemos preocupar-nos com eles. Somos por eles responsáveis. Devem poder segurar a mão que lhes estendemos para levá-los da morte à vida. A prospectiva deixa um amplo espaço de livre decisão e assim de abertura aos valores hierarquizados. Ela mobiliza à vontade; convida ao compromisso; comove o coração diante de todas as misérias sobre as quais o homem, se quiser, pode agir.
Certamente todos os temas abordados pelo sínodo da família merecem ser discutidos. Mas a Igreja corre o risco de se perder ao exaltar as previsões delirantes em lugar de oferecer à sociedade humana a mensagem de esperança que o Senhor lhe confiou e que ela tem, por mandato, de levar às Nações.
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Padre Michel Schooyans
Sacerdote da arquidiocese de Malines-Bruxelas - Doutorado em filosofia e teologia - Professor emérito da Universidade Católica de Louvain, Bélgica - Membro da Pontifícia Academia de Ciências Sociais do Vaticano, do Instituto Real de Relações Internacionais, em Bruxelas, o Instituto para a política demográfica , em Paris, o Population Research Institute , em Washington