6º Domingo do Tempo Comum, ano A, Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo S. Mateus (5,17-37)
DIANTE DO Evangelho deste domingo, antes de tudo, é preciso compreender o seu espírito. O decálogo de Moisés nem sempre era propositivo: “Não matarás, não adulterarás, não roubarás...”. A lei dizia “Não”. Jesus havia antes dado o preâmbulo do seu discurso: as bem-aventuranças. Sua pregação é propositiva e positiva, ao chamar os seguidores da Boa Nova, isto é, do Evangelho, de felizes, bem-aventurados.
Percebemos que Jesus não está preocupado com a exterioridade da Lei, mas com a interioridade. Não com a aparência, mas com a essência. A Lei é importante pois é pedagogia, estabelece os limites que esclarecem e opõem o certo ao errado. Mas a Lei, separada de sua essência, do seu propósito fundamental, por si só pode escravizar. S. Paulo Apóstolo é o exemplo de buscador da Verdade que percebeu que, em determinado ponto do percurso, sem que percebesse, tornou-se alguém que apenas vivia uma série de preceitos, automaticamente, inconscientemente. Ele já não era mais livre, na posição de fariseu rígido que vivia por um conjunto de regras e preceitos, esquecido do fundamento e da razão dessas regras e preceitos. O Apóstolo escreveu em suas cartas que, antes de conhecer o Cristo, era um seguidor da norma fria; vivia deste modo para que sua consciência ficasse em paz, esperando a recompensa "obrigatória" da parte de Deus.
Jesus, porém, no Sermão da Montanha apresenta a Boa Nova como um caminho que não apenas nos liberta do pecado, mas também da escravidão da Lei. Isso não quer dizer, de modo algum, que devamos viver sem Lei, mas sim que o seguidor do Caminho, que é Jesus Cristo, não deve olhar apenas para as formas e preceitos, esquecendo-se do significado maior que há por trás e antes deles: "A Lei foi feita para o homem, e não o homem para a Lei" (cf. Mc 2,27-28). Sempre haverá o risco de olharmos para o preceito, esquecendo-nos da lei fundamental do Amor-Caridade e da Misericórdia.
O Evangelho nos leva também a olhar para a totalidade de nossa vida, para o significado de nossa existência diante da proposta divina. Seria um erro, nessa linha, ler o texto do Evangelho deste domingo sem o espírito de Jesus. Deste modo, poderíamos nos sentir ainda mais aprisionados pelas palavras do Cristo, vendo-o como um "novo Moisés", do que pelos preceitos judaicos. O Senhor deseja que olhemos com novo olhar, que tenhamos a Lei do Amor-Caridade em nossos corações. Assim, mais do que uma vivência exterior e superficial do cristianismo, é preciso amar como Jesus amou, - amar a todos e perdoar a quem nos agride; cultivar a cada dia um novo modo de relacionamento com o nosso próximo; viver o matrimônio sem egoísmos e irresponsabilidades; falar a verdade sem artifícios ('O teu sim seja sim e o teu não seja não' - Mt 5,37); estar, enfim, no mundo como reflexo do Cristo que vive em nós.
Por isso, não basta confessar os pecados a cada passo, numa consciência obstinada pela pureza e não ter a vida toda transformada, convertida, o que implica em um coração verdadeiramente voltado para Deus. Devemos confessar, sim, e mudar de rumo. Conversão significa uma mudança radical de direção. Jesus diz: "Vai e não peques mais". Não basta obter o perdão somente para voltar a cair novamente nas mesmas armadilhas.
É possível, - e é isto que muitos fazem, - viver uma religião falsa, um seguimento aparente, uma disciplina religiosa rígida, porém sem fé verdadeira, sem amor, sem alegria. Ser cristão não é ser escravo de proibições, fugindo do pecado pelo medo da condenação do Deus vingador. Ser cristão é ser seguidor do Cristo movido por seu Amor ilimitado e transcendente. É sair de si mesmo movido pela mística do Encontro pessoal que coloca a vida em movimento na direção do próximo e do próprio Deus: “Se quiseres observar os Mandamentos, eles te guardarão; se confias em Deus, tu também viverás. (...) Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal; ele receberá aquilo que preferir” (Eclo 15, 16-18).
Em nossa vida, fazemos escolhas a todo momento. Deus respeita totalmente nossa liberdade de escolha, não nos força a nada. Somos absolutamente livres até para escolher a morte. Por outro lado, a proposta divina de salvação, como orientação de vida, está sempre diante de nós: apresenta-se o bem e o mal, e ao mesmo tempo a vida e a morte: se escolhermos bem, escolhemos a felicidade eterna; se escolhemos o mal, optamos pela ruína.
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* Adaptado da Homilia do 6º Domingo do Tempo Comum, Ano A, do Pe Roberto Nentiwg