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À procura de Cristo na oração




O principal fim da oração é cumprir o primeiro dever de todo homem, imposto pelo Primeiro Mandamento: prestar a Deus o culto devido. Esse culto inclui a adoração, que é o reconhecimento do domínio supremo de Deus sobre nós e da nossa dependência absoluta dele; inclui a ação de graças, porque devemos tudo à bondade de Deus; e compreende também o reconhecimento da nossa condição de pecadores, com um arrependimento sincero pelas nossas ofensas contra Deus e com a resolução de as expiar.

Não há necessidade, é claro, de traduzir esses sentimentos em palavras, todas as vezes que oramos, mas convém que todos os dias e por qualquer forma exclamemos esses sentimentos. E não há para isso melhor meio do que aquele que nos indicou Nosso Senhor – rezar o Pai Nosso. Devemos, portanto, tomar todos os dias uma atitude formal de oração, de preferência de joelhos, e prestar assim a devida homenagem, embora curta, a Deus.

Há outro fim que devemos ter em vista na oração, que é obter certas graças que nos são necessárias. A menor ação da nossa vida espiritual depende de Deus para ser iniciada e praticada; a própria conservação da nossa vida depende da Providência, e o êxito final dos nossos esforços exige uma graça especial, que se chama a graça da perseverança final. Algumas destas graças são-nos concedidas por Deus, sem as pedirmos, porque Nosso Senhor intercede sempre por nós, e temos no Céu uma Mãe que se empenha em nos alcançar todo o bem que vem até nós – e a principal graça deve ser-nos concedida sem a pedirmos. Há, porém, outras graças bem necessárias, que Ele não nos concederá se não as pedirmos. É certo que Ele conhece bem as nossas necessidades, mas não é para o informarmos que Ele deseja que nós oremos, mas, sim, para nos informarmos a nós próprios da necessidade que temos dele, de modo que vejamos nele a Fonte de todo o bem e para que, ensinando-nos a ter confiança nele, não nos convençamos de que teremos tudo o que quisermos sem o pedirmos. E esta é outra razão pela qual devemos dedicar todos os dias um período de tempo certo à oração.


O Pai Nosso deve fazer sempre parte da nossa oração e, como não podemos passar sem o auxílio de Nossa Senhora, a Ave Maria também deve ter sempre o seu lugar nas nossas invocações. Se quisermos fazer uso de um bom livro de orações (não há nisso inconveniente), devemos empregar os meios que melhor nos pareçam para o fim que temos em vista. O importante é que a lista de orações não seja longa. Vale mais rezar um Pai Nosso com sinceridade do que desfiar as contas do Rosário inteiro sem pensar em Deus.

A oração é tão essencial à nossa vida espiritual, que a não devemos associar à ideia de um incômodo. Além disso, não é por muito falarmos que somos ouvidos, mas, isto sim, se forem boas as disposições do nosso coração.

Quais são estas disposições? A única condição que Nosso Senhor impôs para cumprir as promessas que fez a respeito da oração foi que devíamos orar em seu Nome. Por palavras, devemos orar de sociedade com Ele e para benefício do seu Corpo Místico. Unidos a Ele, temos à nossa disposição os seus merecimentos infinitos, para apresentar diante de Deus; unidos a Ele, podemos dizer a Deus: “Este é o vosso Filho bem amado, no qual pusestes as vossas complacências: ouvi-o”.
As nossas orações nascem da esperança de sermos ouvidos. A caridade também deve acompanhar nossas orações, ao menos em desejo: porque, se estamos em pecado mortal e não temos desejo de nos reconciliarmos com Deus, conservamo-nos em estado de rebelião contra Ele.

A caridade fraterna é também necessária à oração, porque nos devemos lembrar de como Nosso Senhor recomendou que, se alguém estivesse a fazer a sua oferta diante do altar e se lembrasse aí de que seu irmão tinha alguma coisa contra ele, devia deixar a oferta diante do altar, ir reconciliar-se primeiramente com o seu irmão e voltar depois para fazer sua oferta (Mt 5,23-24). Isto pode causar-nos surpresa, mas, se tivermos em mente que a caridade fraterna é necessária para se ser membro vivo de Cristo, compreenderemos por que motivo é necessária essa caridade, quando oramos invocando o Nome de Jesus. Só quando estamos unidos com os restantes membros, pela caridade, é que podemos com verdade orar em seu Nome.

A necessidade da humildade foi explicada na parábola do fariseu orgulhoso e do publicano humilde, e Deus avisou-nos de que resiste aos soberbos e dá sua Graça aos humildes. É necessário que estejamos na disposição de nos submetermos à Vontade de Deus; recusar isso é recusar reconhecê-lo como Deus, é separarmo-nos de Cristo, que deu, Ele próprio, um exemplo clássico na sua oração no Getsêmani: “Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não se faça como eu quero, mas sim como Tu queres” (Mt 26,39).

Há duas formas de rezar que se revestem de grande importância: a primeira é usar uma fórmula fixa e procurar conformar o nosso pensamento com o seu significado; a segunda é rezar fazendo uso das nossas próprias palavras, procurando exprimir com elas os sentimentos que despertam no nosso coração. Nas nossas orações diárias, devemos usar de um e de outro processo. O primeiro é necessário, porque há forçosamente sentimentos que não surgem espontaneamente; têm de ser adquiridos com o emprego de fórmulas e com leitura. Além disso, se tivéssemos de improvisar todas as vezes que rezamos, em breve aborreceríamos a oração. O segundo processo também não é menos necessário, porque é uma excelente forma de nos conservarmos em contato com Nosso Senhor, e isso resume toda a vida espiritual.

Há, portanto, orações para todas as horas; e há também horas para a oração que é natural e não estudada, isto é, quando falamos com Deus, em termos semelhantes àqueles que usamos quando falamos com os nossos amigos. Devemos aprender a sentirmo-nos à vontade com Deus e devemos compreender que não há necessidade de estar sempre a dizer alguma coisa.

Devemos admitir, no entanto, que há ligação íntima entre a oração silenciosa e a pureza da nossa consciência. Não é, em geral, possível sentirmo-nos à vontade diante de Deus, se conservamos a intenção deliberada de cometer os pecados habituais. Mas o pecado de que estamos arrependidos não constitui obstáculo a essa amizade, assim como o não constituem os pecados em que caímos repentinamente por fragilidade. O próprio ato de contrição abre o caminho para novo contato com Deus; e, como Ele é o nosso Salvador, não devemos ter receio de lhe patentear nossos pecados e nossas fraquezas.

Por vezes, causa distrações é manifesta: uma amizade desordenada, um aborrecimento excessivo, a fadiga, a instabilidade natural do nosso pensamento, a preocupação provocada pelo trabalho ordinário, o ambiente e outras coisas que seria longo enumerar. Quando provêm de qualquer apego desordenado, o remédio é fácil. Mas, seja qual for a sua causa, uma coisa necessária para as evitar é recolhermo-nos completamente no princípio da oração. Se se fizer isso com generosidade, a oração adquire um valor que nenhuma distração subsequente involuntária pode tirar. Se oramos particularmente, isto é, se estamos a “falar com Deus”, podemos tomar as distrações como assunto da nossa conversa. Em última análise, Deus criou todas as coisas e, por isso, todas as criaturas têm pelo menos essa ligação com Ele, a qual pode servir de ponto de partida para novos colóquios.

A vida cristã é mais uma participação na vida de Cristo do que o ato de aperfeiçoar a nossa vida; que a oração cristã é mais uma participação nas orações de Cristo do que a floração das nossas próprias orações; e que, no caso particular em questão, em que temos de abandonar as nossas orações para nos associarmos às orações da comunidade, nós estamos, na realidade, vestindo-nos de Cristo. Quando dois ou três se juntam em Seu Nome, Ele está no meio deles, como prometeu (conf. Mt 18,20), e quando nos juntamos às suas orações, trocamos as nossas pobres orações pelas poderosíssimas orações de Cristo. E isto tem aplicação, de modo especial, às orações litúrgicas. Tomando parte na liturgia da Igreja, vestimo-nos de Cristo de modo especial e oferecemos a Deus um sacrifício de louvor particularmente aceitável. Em tais casos, podemos dizer a Deus, com especial significado: “Este é o vosso Filho bem-amado, no qual pusestes as vossas complacências. Ouvi-o”.

Para que isto não pareça exagero piedoso, citemos as palavras de Sto. Agostinho. A propósito do passo dos Salmos que diz: “Dos confins da terra a Vós clamei” (Sl 9,3), ele pergunta: “Quem é que clama dos confins da Terra? Quem é esse homem que chega até às extremidades do Universo?”1 E, em outro trecho, responde: “É um, mas esse um é unidade. É um, não num só lugar, mas o grito deste homem vem dos mais remotos confins da Terra. Mas como pode este homem gritar dos confins da Terra, se não é um em todos?”.

O Corpo inteiro de Cristo geme com dores. Enquanto não acabar o mundo e passar de vez a dor, este homem continuará a gemer e a clamar por Deus. E cada um de nós toma parte no clamor de todo esse Corpo. Tu clamaste no teu dia e o teu dia passou, outro tomou o teu lugar e clamou nos seus dias. Tu aqui, ele ali e o outro acolá. O Corpo de Cristo não deixa de clamar todos os dias, pois cada membro toma o lugar do outro, cuja voz emudeceu. Desta forma há apenas um homem que alcança os confins do tempo, e aqueles que clamam são sempre os seus membros.
 
E acrescenta com ênfase: “Deus não podia conceder aos homens maior benefício do que dar-lhes por Chefe o seu Verbo, pelo qual fez todas as coisas, e uni-los como membros a essa Cabeça. O Verbo tornou-se, assim, ao mesmo tempo Filho de Deus e Filho do Homem: Deus com o Pai e Homem com os homens. Quando dirigirmos, portanto, nossas orações a Deus, não nos separemos do Filho, e quando o Corpo do Filho ora, que não se separe da Cabeça. Que seja Ele, único Salvador do seu Corpo, Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, a orar por nós, a orar em nós e a quem nós oremos.

Há ainda alguns que afirmam não terem as nossas orações verdadeira eficácia impetrativa, e trabalham por espalhar a opinião de que a oração feita em particular pouco vale, e que é a oração pública, feita em nome da Igreja, que tem verdadeiro valor, por partir do Corpo Místico de Jesus Cristo. Não é exato; o divino Redentor não só uniu estreitamente a si a Igreja como Esposa queridíssima, senão também nela as almas de todos e cada um dos fiéis, com quem deseja ardentemente conversar na intimidade, sobretudo depois da Comunhão. E, embora a oração pública, feita por toda a Igreja, seja mais excelente que qualquer outra, graças à dignidade da Esposa de Cristo, contudo todas as orações, ainda as mais particulares, têm o seu valor e eficácia, e aproveitam também grandemente a todo o Corpo Místico, no qual não pode nenhum membro fazer nada de bom e justo, que em razão da Comunhão dos Santos, não contribua também para a salvação de todos. Nem aos indivíduos, por serem membros desse Corpo, se lhes veda que peçam para si graças particulares, mesmo temporais, com a devida sujeição à vontade divina, pois que continuam sendo pessoas independentes, com as suas indigências próprias. Quanto à meditação das coisas celestes, os documentos eclesiásticos, a prática e exemplos de todos os Santos provam bem em quão grande estima deve ser tida por todos.

A oração mental não é, na realidade, outra coisa senão o desenvolvimento de tais conversas íntimas com Deus. Meditação, no sentido próprio da palavra, significa pensar em Deus e nas coisas de Deus. Antes de passar a tratar dessas práticas, será bom falar de outra coisa que é bem importante, senão indispensável para elas, isto é, a leitura e a reflexão.

Fonte: livro:  Amor sublime (Eugene Boylan).


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