Guardar lembranças, relembrar a história que já vivemos faz
parte da vida humana. Em geral, guardamos com carinho fotografias de momentos
alegres e de momentos difíceis. Assim, cada povo, cada cultura, cada religião
tem uma maneira peculiar de fazer memória e lembrar pessoas, acontecimentos e
valores que fazem parte da sua identidade.
O ditado popular judaico: “a memória é o pilar da redenção e
o esquecimento o começo da morte” resume o lugar e a importância de fazer
memória na vida judaica, na qual predomina a riqueza da tradição contínua de
todos os acontecimentos importantes, de geração em geração, para garantir a
continuidade de sua história.
A tradição oral, comunicada na família pelos sábios e
mestres de Israel, sempre teve como primeiro objetivo ensinar e transmitir o
passado em vista do presente para que, no futuro, a vida possa atrair o reinado
de Deus. Na terra de Israel, ou inculturados na diáspora, a comunidade judaica
não deixa de viver o chamado de Deus “Escuta Israel...”1. Esse convite de Deus
lhes permite viver o presente iluminado pelo passado, projetando-os para o
futuro das promessas do Deus Um.
Para manter viva a memória dos fatos importantes de seu
passado, Israel fará do memorial algo visível. Suas festas são memoriais
vividos e experienciados a cada geração, lembrando a fidelidade de Deus às suas
promessas. Assim, Pessah (Pascoa) é o
memorial da libertação e saída da escravidão do Egito. Shavuot (Pentecostes) é
a alegria dos frutos da terra prometida e o grande dom do Sinai, a Torá. Sucot
(festa das cabanas) celebra a proteção de Deus durante toda a caminhada do deserto. Yom Kippur, lembra de que o Deus Um é o Deus
Misericórdia sempre pronto a esquecer a infidelidade humana. No tempo dos
Macabeus, um pouco antes da chegada de Jesus, Hanucá (festa das luzes) comemora
o milagre do azeite para a purificação do Templo. E, assim, várias outras
solenidades.
Na tradição judaica não encontramos a veneração dos santos
como na tradição cristã. Contudo, há uma vasta literatura, a partir das
escrituras bíblicas hebraicas, sobre a importância do justo, tanto do povo
judeu, como de outras nações.
Como primeiro justo entre as nações encontramos Noé,
mencionado no livro do Gênesis: “Noé era homem justo e perfeito entre os seus
contemporâneos. Noé andava com Deus”.
Na tradição judaica aprendemos, por meio das Escrituras, que
Deus se revelou ao povo judeu no Sinai, dando-lhe a Torá, a Lei. Do mesmo modo,
os não-judeus, chamados filhos de Noé, receberam uma lei: a Lei de Noé. As
primeiras seis leis foram entregues a Adão, logo depois da criação. Após o
dilúvio, foi entregue a última dessas leis, a que exige o cuidado com a vida
quando diz:“Não deveis comer carne com vida, isto é,com o sangue. Eu pedirei
contas de vosso sangue, que é a vossa vida, a qualquer animal. E da vida do
homem pedirei conta a seu irmão”.
As sete leis noéticas são: Reconhecer a existência de um ser supremo; Respeitar o Criador; Respeitar a vida humana; Respeitar a instituição do casamento; Respeitar a propriedade alheia; Respeitar todas as criaturas; Promover a justiça.
A expressão “Justos entre as Nações” é utilizada no judaísmo
para se referir aos não-judeus fiéis à “lei noética” e que tomarão parte do
Reino do mundo que virá.
Tzedaká, cujo significado é justiça, é derivado de tzedek, justo. A caridade, no judaísmo, é considerada uma forma de justiça na qual se procura colocar em prática o que encontramos no livro dos Provérbios: “Não retenha o bem daquele a quem é devido, quando está em seu poder fazê-lo”.
Maimônides, ao explicar a diferença entre justiça (tzedaká)
e misericórdia-bondade (hessed), diz o seguinte: justiça é dar à pessoa o que
ela tem direito, enquanto a misericórdia é uma atitude gratuita, um gesto de
bondade, sem se preocupar se a pessoa que recebe precisa desse gesto ou não. Ou seja, misericórdia é a bondade sem
limites. E, na tradição, Abraão personifica o atributo divino da benevolência,
generosidade e amor infinito (hessed).
A narrativa sobre Abraão nos mostra o quanto ele estava
preocupado com os outros. Hospitaleiro, as portas de sua tenda estavam sempre
abertas a todos aqueles que por lá passavam. Ele se torna paradigma do judeu
ideal, bondoso para com Deus e para com o próximo. E o Talmud ensina que
qualquer pessoa que tenha compaixão por outras, certamente, descende de Abraão.
Assim, quando falamos do preceito de viver a justiça,
englobamos outros preceitos que compõem a visão mais ampla da Imitação de Deus,
da mesma forma que Deus cuida de nós, nós devemos imitá-lo, cuidando da casa de
todos nós.