CHESTERTON DISSE, CERTA vez, que a dificuldade que ele tinha em explicar o porquê de ser católico residia no fato de que havia mais de 10 mil razões para tal explicação... Entre estas, cito a seguinte: “(...) a Igreja Católica é a única que (...) assume a grande tentativa de mudar o mundo desde dentro; usando a vontade e não as leis...”[1]
Creio que esse grande autor, que possui o título deDefensor Fidei (Defensor da Fé), para afirmar isto, baseou-se especificamente na seguinte passagem do Evangelho:
“Naquele tempo, os fariseus perguntaram a Jesus sobre o momento em que chegaria o Reino de Deus. Ele respondeu: 'O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: Está aqui, ou: Está ali, pois o Reino de Deus está no meio de vós'".” ² (Lc 17,20-21)
A tradução do grego ἡ βασιλεία τοῦ θεοῦ ἐντὸς ὑμῶν ἐστιν para o português do Brasil desta passagem muitas vezes é equivocada. O uso correto não é exatamente: “está no meio de vós” como muitas vezes se usa, dando sentido de que o Reino de Deus está no meio de um coletivo. O mais correto é que o Reino de Deus está realmente dentrode nós, no interior de cada um! Isso significa que Cristo deve reinar em nosso interior, que Deus deve ser o Rei de nossa morada interior! Se isso acontecer, Cristo reinará no mundo, pois toda mudança exterior deve ser consequência de uma mudança interior e não o contrário.
Essa admoestação dura é extremamente necessária, principalmente nos dias atuais onde vivemos em um mundo de aparências e superficialidade. Sim! Cada católico deve fazer com que Cristo reine em sua vida, em sua alma, em seu coração – metaforicamente falando – para que então o meio à sua volta seja santificado; em outras palavras, é necessário lutar por santidade para que o mundo seja mais católico, para que haja mais fraternidade e paz, pois, como ensina São Josemaria Escrivá: “Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos. Deus quer um punhado de homens 'seus' em cada atividade humana. Depois... 'Pax Christi in regno Christi' – a paz de Cristo no Reino de Cristo.” (Caminho, 301)
Toda mudança deve partir do interior do homem que, se configurado à Deus, externará naturalmente o brilho e o “bom odor de Cristo”. Por isso as virtudes são tão importantes e deve ser um objetivo real de cada batizado alcançá-las, lutando até ao derramamento de sangue para vencer os vícios e a concupiscência da carne. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica:
“A dignidade da pessoa humana radica na sua criação à imagem e semelhança de Deus (Artigo 1) e realiza-se na sua vocação à bem-aventurança divina (Artigo 2). Compete ao ser humano chegar livremente a esta realização (Artigo 3). Pelos seus atos deliberados (Artigo 4), a pessoa humana conforma-se, ou não, com o bem prometido por Deus e atestado pela consciência moral (Artigo 5). Os seres humanos edificam-se a si mesmos ecrescem a partir do interior: fazem de toda a sua vida sensível e espiritual objecto do próprio crescimento (Artigo 6). Com a ajuda da graça, crescem na virtude (Artigo 7), evitam o pecado e, se o cometeram, entregam-se como o filho pródigo (1) à misericórdia do Pai dos Céus (Artigo 8). Atingem, assim, a perfeição da caridade.
(CIC 1700)
Quantas vezes agimos querendo que todos mudem (muitas vezes por razões até justas) porém, não mudamos a nós mesmos? Insistimos nos mesmos pecados que podem ser tidos como de “estimação”, não buscamos a mortificação mas exigimos isso de todas as outras pessoas? Não devemos abandonar a luta, não podemos desistir da santidade! Ser santo não é nunca ter pecado, é antes reconhecer-se necessitado da Graça de Deus, ser levantado por Ele (principalmente através do Sacramento da Confissão) e lutar para nunca mais cair. É uma caminhada de quedas e tropeços onde o ser humano nunca está sozinho, pois Deus está sempre com ele.
A mudança interior e a aquisição de virtudes não acontecem da noite para o dia; são um processo onde a pessoa deve ser paciente consigo mesma e com os demais, e deve lutar para, através dos seus bons hábitos, criar bons costumes que sejam impulsos naturais para boas ações. Tudo isso por amor ao Cristo e sua Santa Igreja e não por motivos pessoais e egoístas, pois, infelizmente muitos desejam ser perfeitos não porque Deus nos quer assim, mas porque querem vangloriar-se de sua própria perfeição.
Além do que foi dito acima, quero utilizar-me de mais uma passagem do Evangelho para que as coisas fiquem mais claras:
“O Reino dos Céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo. ”
(Mt 13, 44)
Para possuir esse incomparável Tesouro, o homem sábio de imediato se prontifica a desfazer-se de tudo o mais que possui. O mesmo exemplo pode ser utilizado também para tudo o que foi apresentado até aqui, pois, como diz Santo Agostinho:
“Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro, e eu fora. Eu estava, Senhor, longe de Ti, porque estive longe de mim. Eu te procurava nas formosuras que criastes, chora o bispo de Hipona, Tu porém nunca me deixastes; eu é que me esqueci de Ti e procurei-te onde não estavas.” [2]
Que possamos vender tudo o que temos, abrir mão de tudo o que nos afasta de Deus para podermos enfim, pertencer ao Bom Pastor! Para alargar as fronteiras do Reino dos Céus na terra é necessário que primeiro essas fronteiras tenham sido alargadas dentro de mim, dentro de você, caro leitor. É necessário que cada um seja de Cristo para que o mundo seja de Cristo; é necessário que Jesus viva dentro de nós para dizermos com o Apóstolo: “Não sou eu que vivo, mas é o Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20)!
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Ref.:
1. CHESTERTON, G. K. "Por que sou católico". Grupo Chesterton Brasil, traduzido por Antonio Emilia Angueth de Araujo. - do site Chesterton Brasil
2. Confissões X, 27