Pular para o conteúdo principal

O perigoso sentimentalismo e a persistência na vida espiritual







“O sentimentalismo é, para a sensibilidade,uma afetação de amor de Deus e do próximo que não existe suficientemente na vontade espiritual. Então, a alma procura a si mesma mais do que a Deus; daí, para tirar a alma desta imperfeição, Deus purifica a alma pela aridez da sensibilidade.
Se verdadeiramente nesta aridez a alma não é suficientemente generosa, então cai na preguiça espiritual, na tepidez, e não mais tende suficientemente à perfeição.
Igualmente, pelo amor desordenado de si mesmo, vicia-se o labor intelectual ou apostólico, pois nele buscamos satisfação pessoal, buscamos o louvor em si mais do que a Deus ou à salvação das almas. Assim, o pregador pode tornar-se estéril 'como um bronze que soa ou um címbalo que tine' (1Cor 13,1). A alma se retarda, não é mais iniciante porém não avança ao estado dos aproveitados; permanece uma alma retardada, como um menino que, por não crescer, não permanece criança e nem se faz adolescente ou adulto normal, mas um homúnculo deforme. Ocorre algo similar na ordem espiritual, e isto provém do amor próprio desordenado, do sentimentalismo, do qual nasce a esterilidade da vida."

(Pe. Garrigou Lagrange, 'As Três Vias e
as Três Conversões', ed. Permanência)

HOJE CONTAMOS a estranha história de de muitos católicos que vivem uma fé baseada no sentimentalismo. Trata-se de um problema mais latente entre aqueles que não nasceram em berço católico, ou que se dispersaram durante algum tempo, na juventude, e só depois reencontraram o Caminho (Cristo) e retornaram à Casa do Pai. Naquele dia em que se (re)converteram, sentiram como que uma "fisgada", Jesus a lhes "pescar"; foi o seu momento de conversão e de feliz intimidade com o Senhor, em Comunhão com a Santíssima Virgem e os santos e anjos do Céu.


Naquele dia, muitos desses novos católicos queriam mudar o mundo – e se sentiam capazes disso. Sentiam um desejo ardente, um ímpeto de falar de Jesus e da sua Igreja para o mundo, de proclamar que haviam se encontrado, reencontrado o Caminho, que eram agora membros do Corpo de Cristo... Viviam uma fase de choradeiras com qualquer música sacra ou religiosa que ouvissem. Na Missa e nos grupos de oração, dos quais procuravam participar, queriam externar os seus sentimentos...


Mas... algum dia –, demore um pouco mais ou um pouco menos –, chega um certo momento em que "a fé esfria" para esse novo convertido. As canções do padre Marcelo Rossi e Fábio de Melo e dos cantores católicos populares já não os encantam, já não são mais capazes de fazer brotar as lágrimas. Ele já não "sente" mais nada durante a Missa, e desiludido se pergunta por quê. Nas orações, clama a Deus: “Por que me abandonas? Porque não sinto mais a tua Presença?”... Depois de mais algum tempo, começa a perder a vontade de ir à Igreja, de rezar... "Se não 'sinto' a Presença e nem as consolações de Deus, para quê insistir?", é o que pensa; lá no fundo, começa a se questionar se tudo não teria sido, afinal de contas e, como dizia aquela antiga canção interpretada por Orlando Silva e Nelson Gonçalves, "nada além de uma linda ilusão"...


Todavia a questão mais profunda e importante, que precisa ser trazida à tona nestes casos, é esta: será que aquele sentimentalismo todo era realmente fé cristã? Será que se emocionar, chorar, cantar entusiasmado, dizer orações a Deus com grande empolgação e outras demonstrações externas como estas são realmente o sinal de uma autêntica e saudável vida em Cristo?


Diz a carta aos Hebreus: “A fé é o fundamento da esperança; é uma certeza a respeito do que não se vê” (Hb 11,1). “Não se vê”, neste caso, é alusão a essa relação que se pode ter com a fé – e que de fato costumamos ter, nos primeiros tempos logo após a nossa conversão – por meio dos sentidos físicos. Algumas pessoas chegam, sim, a ter visões supranaturais, embora estes sejam casos raros. Mas se dizemos que a fé é uma certeza a respeito daquilo que não se experimenta por meio dos sentidos físicos, podemos afirmar que é a fé é uma certeza a respeito daquilo que não se sente emocionalmente; ao menos não necessariamente. A fé cristã está, sem dúvida, mais relacionada à vontade do que às meras e fugazes emoções humanas.



Santa Gemma Galgani



Na biografia de santa Gemma Galgani consta que ela havia recebido os estigmas de Cristo muito cedo. Ela sempre oferecia seus sofrimentos à Deus em expiação pelas almas. Um fato interessante da sua vida é que ela vivia de modo tão santo que era sempre vista uma luz intensa ao seu redor enquanto rezava, mas também recebia flagelações de demônios em suas provações. Nossa Senhora lhe aparecia muitas vezes em sonhos. Certa vez, o próprio Senhor Jesus Cristo lhe apareceu e lhe propôs algo que para muitas pessoas seria algo extremamente difícil de compreender: ela não sentiria nada quando rezasse; teria mesmo indisposição para a oração e sofreria por não sentir mais nem sequer o mínimo de emoção ao orar, ao ir à Missa e mesmo quando fosse receber os santos Sacramentos(!).


Compreendemos, hoje, que o Cristo propôs isto a Gemma Galgani porque queria que ela sentisse o que Ele sentiu na sua Paixão: a extrema angústia e terror, a ponto de Ele mesmo – Deus e Salvador da humanidade, Senhor das Tempestades, Princípio e Fim de todas as coisas – exclamar: “Pai, porque me abandonastes?”... Nosso Senhor sofreu assim porque, mesmo sendo plenamente Deus, era também plenamente homem.


E consta que Gemma aceitou sua pesada cruz com paciência; mesmo não sentindo nada, mesmo com a provação das enfermidades que assolaram a sua vida, perseverou na oração, aguentou os açoites do demônio e não cessou de oferecer tudo a Deus, em reparação dos pecados do mundo, pelas almas que padecem no Purgatório, em desagravo às ofensas sofridas por Nosso Senhor e pelo bem de toda a Igreja, seguindo a exortação do Apóstolo:

“Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja."

(Col 1,24)

Aí está um exemplo maravilhoso do que significa a verdadeira e autêntica fé cristã. Esta serva e guerreira de Cristo – esta brava filha da Igreja e irmã dos Santos do Céu – já não "sentia" mais nada, já não desfrutava de doces emoções, porém mesmo assim mantinha a fé de que Deus não iria desampará-la e que, na vida futura, iria desfrutar da Presença de Deus, Bem dos bens e Fonte de toda a vida, felicidade e alegria.


Do mesmo modo, Jesus Cristo disse a Tomé, que então não cria na sua Ressurreição: “Creste porque me viste. Felizes aqueles que creem sem ter visto!” (Jo 20,29). Crer sem ver; crer e permanecer na fé mesmo sem sentir, sem se emocionar, sem precisar das muletas do sentimentalismo.

Advertências dos Santos sobre o perigo da dependência dos sentimentos e sensações agradáveis na vida espiritual


“Importa saber que, não obstante poderem ser obra de Deus os efeitos extraordinários que se produzem nos sentidos corporais, é necessário que as almas não o queiram admitir nem ter segurança neles; antes é preciso fugir inteiramente de tais coisas, sem querer examinar se são boas ou más. Porque quanto mais exteriores e corporais, menos certo é que são de Deus. (...) Quem estima esses efeitos extraordinários erra muito, e corre grande perigo de ser enganado, ou ao menos, terá em si total obstáculo para ir ao que é espiritual. Como já dissemos, os objetos corporais nenhuma proporção têm com os espirituais, por isso, deve-se sempre pensar que, nos primeiros, mais se encontra a ação do mau espírito em lugar da ação divina. O demônio, possuindo mais domínio sobre as coisas corporais e exteriores, pode com maior facilidade nos enganar neste ponto, do que nas mais interiores e espirituais.”

“A alma presa às graças sensíveis permanece ignorante e grosseira na vida de fé, e fica sujeita muitas vezes a tentações graves e pensamentos importunos”

“Cautela nessas comunicações exteriores e sensíveis sem jamais as admitir – a não ser em certas circunstâncias muito raras e sob o parecer de alguém com muita autoridade, e excluindo sempre o desejo delas”


(Subida do Monte Carmelo,
p. 217ss, Capítulo XI)

Sugestões para a frutuosa oração frequente


Não desista da oração, mesmo se estiver indisposto. Esta luta interior agrada a Deus e o fará crescer e amadurecer muito espiritualmente. Uma indicação sempre válida e utilíssima é rezar o santo Terço; deixe que Nossa Senhora reze com você e por você. Ainda assim, é importante saber e lembrar que o católico não dispõe apenas do Terço para rezar. Todos podemos e devemos falar espontaneamente a nosso Deus e Salvador, adorá-lo, louvá-lo, suplicar a sua Misericórdia e Graça; além disso temos muitíssimas santas jaculatórias – orações ou invocações muito curtas que podemos dirigir isoladamente a Deus e/ou aos santos do Céu – e que ditas fervorosamente são poderosos instrumentos à nossa disposição. Você pode dizer várias vezes:


• Eu vos adoro e agradeço, Senhor Deus Pai, Filho e Espírito Santo, porque sois o Criador de Todas as coisas, o Sumo Bem e meu Salvador, doador da vida e de todos os bens!
• As Santas Chagas são o Tesouro dos tesouros pelas almas do purgatório!

• Bom Jesus, nós Vos louvamos no Sacramento do Amor; sede sempre para nós um compassivo Senhor!

• Bom Jesus, sejais Bendito, pois sois nossa Redenção; sois toda a nossa ventura, nosso amparo e nossa consolação!

• Coração de Jesus Crucificado, Fonte de amor e de perdão!

• Coração de Jesus, em Vós confiamos!

• Coração Misericordioso de Jesus, tende misericórdia de nós!

• Coração Sacratíssimo e misericordioso de Jesus, dai-nos a paz!

• Cristo Jesus, Vós sois a minha Ajuda e meu Redentor. Amém!

• Dai-me a graça, Senhor, de que eu nunca Vos ofenda!

• Dai-me a graça, Senhor, de vencer as paixões e ter horror ao pecado!

• Deus meu e meu tudo!

• Doce Coração de Jesus, que tanto nos amais, fazei que eu Vos ame cada vez mais!

• Doce Coração de Jesus, sede o meu amar!

• Doce Coração de Maria, sede minha salvação!

• Imaculada Rainha da paz, alcançai-nos a paz!

• Jesus, Maria e José, eu vos amo; sede comigo e não permitais que eu vos ofenda!

• Jesus Misericordioso, eu confio e espero em Vós!

• Jesus, meu Deus e meu Senhor, eu vos amo acima de tudo!

• A justíssima e amabilíssima Vontade de Deus seja sobre todas as coisas!

• Maria, minha Mãe!

• Meu Jesus, eu quero ser todo vosso!

• Nossa Senhora da Providência, providenciai!

• Ó Jesus, com todo meu coração eu me uno a Vós. Amém!

• Ó meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas!

• Ó meu Jesus, perdão e misericórdia, pelos méritos das vossas santas Chagas!

• Oh! Jesus Divino, nossa vida, nosso amor, enchei o nosso espírito de um verdadeiro fervor!

• Oh! Jesus, Autor da vida, enchei nossos corações de divino Amor!

• Pai Eterno, ofereço-vos o Preciosíssimo Sangue de Jesus, com todas as Missas ditas no mundo neste dia, pelas almas que estão no Purgatório!

• Por Vossa mansidão divina reinai em nossos corações!

• Junto dos doentes repetir muitas vezes: Ó meu Jesus, perdão e misericórdia, pelos méritos das vossas santas Chagas!

• São José, assisti-me em minha agonia!

• SENHOR, abandono-me em Ti, confio em Ti, descanso em Ti...

• SENHOR, se quiseres, podes curar-me!

• SENHOR, seja feita a vossa santa Vontade!

• SENHOR, Tu sabes tudo, Tu sabes que Te amo!

• Senhora do Céu, santíssima Virgem milagrosa, sede nossa guia neste vale de lágrimas!

• SENHOR, não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo (ou tal pessoa será salva)!

• Sou teu, para Ti nasci; que queres, Jesus, de mim?


Sugerimos ainda a Invocação do Nome de Jesus (aprenda), a récita de uma Dezena do Rosário (que bem rezada pode ser tão proveitosa ou até mais do que mil Aves-Maria ditas displicentemente) e a o Terço da Divina Misericórdia.


* * *
Que a Cruz, pela qual somos salvos e nestes tempos difíceis é evidenciada (esta é a graça contida nas dores, dificuldades e angústias), nunca suma dos nossos horizontes; que ela seja a nossa grande Filosofia, que desafia todo conhecimento e diante da qual todas as ilusões humanas revelam a sua efemeridade. Nova humanidade, renascida do lado aberto do Cordeiro de Deus, homens e mulheres espirituais fortes e maduros, mostrem as suas faces, ou melhor, mostrem vosso Coração conforme ao de Cristo! "O mundo gira, mas a cruz permanece firme"! Permaneçamos com Jesus Cristo.

Eis o tempo da oração silenciosa, da contemplação. Que a seriedade do amor nos guarde contra o débil sentimentalismo, e que a sobriedade da verdadeira santidade nos acompanhe e nos ensine. Que o mundo durma bêbado dos seus prazeres, entorpecido nas suas sensações vãs. Nós, cristãos católicos, experimentados no combate, despertos, contemplaremos o Amado, junto com a Virgem. Vigiemos, munidos da Arma e Antídoto contra todo o mal, que é a Santa Cruz. Eis a Espada da alma amante, a Cruz; eis a inimiga de toda mentira e ilusão, e eis também a via do amor e da felicidade maior, cujo fim será o doce encontro com o Esposo das nossas almas.
___
Ref.:
'Os perigos do sentimentalismo', Front Católico, disp. em:
https://frontcatolico.blogspot.com.br/2014/07/os-perigos-do-sentimentalismo.html?showComment=1470151921780#c8009207437240022091

Postagens mais visitadas deste blog

Símbolos e Significados

A palavra "símbolo" é derivada do grego antigo  symballein , que significa agregar. Seu uso figurado originou-se no costume de quebrar um bloco de argila para marcar o término de um contrato ou acordo: cada parte do acordo ficaria com um dos pedaços e, assim, quando juntassem os pedaços novamente, eles poderiam se encaixar como um quebra-cabeça. Os pedaços, cada um identificando uma das pessoas envolvidas, eram conhecidos como  symbola.  Portanto, um símbolo não representa somente algo, mas também sugere "algo" que está faltando, uma parte invisível que é necessário para alcançar a conclusão ou a totalidade. Consciente ou inconscientemente, o símbolo carrega o sentido de unir as coisas para criar algo mair do que a soma das partes, como nuanças de significado que resultam em uma ideia complexa. Longe de objetivar ser apologética, a seguinte relação de símbolos tem por objetivo apenas demonstrar o significado de cada um para a cultura ou religião que os adotou.

Como se constrói uma farsa?

26 de maio de 2013, a França produziu um dos acontecimentos mais emblemáticos e históricos deste século. Pacificamente, milhares de franceses, mais de um milhão, segundo os organizadores, marcharam pelas ruas da capital em defesa da família e do casamento. Jovens, crianças, idosos, homens e mulheres, famílias inteiras, caminharam sob um clima amistoso, contrariando os "conselhos" do ministro do interior, Manuel Valls[1]. Voltando no tempo, lá no já longínquo agosto de 2012, e comparando a situação de então com o que se viu ontem, podemos afirmar, sem dúvida nenhuma, que a França despertou, acordou de sua letargia.  E o que provocou este despertar? Com a vitória do socialista François Hollande para a presidência, foi colocada em implementação por sua ministra da Justiça, Christiane Taubira,  a guardiã dos selos, como se diz na França, uma "mudança de civilização"[2], que tem como norte a destruição dos últimos resquícios das tradições qu

Pai Nosso explicado

Pai Nosso - Um dia, em certo lugar, Jesus rezava. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: “Senhor, ensina-nos a orar como João ensinou a seus discípulos”. È em resposta a este pedido que o Senhor confia a seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã fundamental, o  Pai-Nosso. Pai Nosso que estais no céu... - Se rezamos verdadeiramente ao  "Nosso Pai" , saímos do individualismo, pois o Amor que acolhemos nos liberta  (do individualismo).  O  "nosso"  do início da Oração do Senhor, como o "nós" dos quatro últimos pedidos, não exclui ninguém. Para que seja dito em verdade, nossas divisões e oposições devem ser superadas. É com razão que estas palavras "Pai Nosso que estais no céu" provêm do coração dos justos, onde Deus habita como que em seu templo. Por elas também o que reza desejará ver morar em si aquele que ele invoca. Os sete pedidos - Depois de nos ter posto na presença de Deus, nosso Pai, para adorá-lo