Por Felipe Marques – Fraternidade São Próspero
ANTES DE INICIAR esta reflexão, deixemos o papa Bento XVI auxiliar-nos com um trecho da introdução de sua carta encíclica “Deus caritas est”:
“Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo.”
Pois bem, ser católico é – entre tantas coisas – ter-se encontrado com Cristo e, a partir desse encontro, lutar para mudar de vida, visto que a própria existência ganha um sentido. Ou melhor, muito mais do que um simples sentido, a vida ganha O Sentido único de todas as coisas. Diversas vezes somos levados a crer que encontramos a Deus devido aos nossos próprios esforços. Esse modo de pensar é perigoso, pois podemos cair no erro narrado no capítulo 11 do Livro do Gênesis (episódio da Torre de Babel) que narra como os cidadãos do mundo quiseram construir um caminho para o céu – onde imaginavam que Deus, literalmente, habitava, supondo que assim poderiam alcançá-Lo – com suas próprias mãos e forças, para que seus nomes ficassem gravados para sempre na História(!).
É óbvio que a ação humana é necessária para encontrar a Deus, porém, nós não somos os primeiros na ordem do amor. São João narra isso de forma clara no versículo 10 do capítulo 4 de sua primeira Carta:
“Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos Ele amado, e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados.”
Isso se faz necessário conhecer para que não queiramos tomar o lugar de Deus, para que sejamos mais humildes e aceitemos a nossa posição de criaturas e, assim, possamos iniciar uma verdadeira vida espiritual, uma vida de intimidade com Deus. Resumindo: Deus o amou, leitor mesmo antes da sua conversão, mesmo antes de você ter alguma noção de que estava pecando, mesmo antes de você rezar o santo Terço... Deus já o amava, mesmo enquanto você rolava na lama do pecado! Pois bem, Nosso Senhor tem cuidado de nós desde o momento em que nascemos, e dispensa as graças necessárias para que possamos encontrá-Lo. Ora, afirmo isso com certeza, porque Ele mesmo veio ao nosso encontro – e não há maior graça que essa – conforme é narrado no Evangelho segundo São Lucas:
“Quem de vós que, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la? E depois de encontrá-la, a põe nos ombros, cheio de júbilo, e, voltando para casa, reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: 'Rejubilai-vos comigo, achei a minha ovelha que se havia perdido. Digo-vos que assim haverá maior júbilo no Céu por um só pecador que fizer penitência do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento. Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas e perdendo uma delas, não acende a lâmpada, varre a casa e a busca diligentemente, até encontrá-la? E tendo-a encontrado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Regozijai-vos comigo, achei a dracma que tinha perdido. Digo-vos que haverá júbilo entre os anjos de Deus por um só pecador que se arrependa.”
(15, 4-10)
Enfim, você é essa dracma perdida... Você é a ovelha perdida que Deus buscava encontrar! Deus já lhe procurava, mesmo que você não se desse conta de sua existência. O SENHOR não é um “deus passivo” que não se move e permanece em seu “descanso sabático” até que suas criaturas lhe alcancem... Não. Deus é Amor e o amor é ativo, o amante não repousa até se unir ao objeto amado; o amor verdadeiro é doação, e sua maior expressão é encontrada em Cristo Crucificado. Por isso, exorto-o a entender que Deus não o ama mais só porque agora você é menos pecador, ou reza mais e pratica alguns atos de piedade... Não seja presunçoso pensando que você merece ser ouvido porque agora alcançou um alto nível de intimidade e amizade com Deus. Muito pelo contrário. Quanto mais amigo de Deus você for, mais humilde você será. Como ensina Santa Teresa de Ávila, “a humildade é caminhar na verdade”.
Na verdade de que somos pó e que ao pó voltaremos (Gn 3, 19), tendo consciência de que sem Deus somos capazes de fazer as piores coisas jamais pensadas, é preciso responder à pergunta: na ordem do amor, em que lugar está o ser humano? O ser humano que se encontra com Cristo está no segundo lugar na ordem do amor, pois agora, ciente de que Deus o ama, a pessoa amada quer retribuir o amor que recebe do SENHOR. Ou seja, nosso amor, ainda que falho, é sempre uma resposta ao amor que recebemos de Deus. As orações, vigílias, a luta pelas virtudes, a recitação do santo Rosário, a luta contra os pecados... Enfim, tudo o que fazemos por Deus é sempre uma resposta, e não o princípio da relação de amor que há entre criatura e Criador.
Sendo assim, então, como e onde podemos expressar essa resposta, esse nosso amor para com Deus? Ninguém melhor do que o próprio Deus para nos ensinar:
“Então o Rei dirá aos que estão à direita: 'Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a Mim'. Perguntar-lhe-ão os justos: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos? Quando foi que te vimos enfermo ou na prisão e te fomos visitar?'. Responderá o Rei: 'Em verdade Eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes'. Voltar-se-á em seguida para os da sua esquerda e lhes dirá: 'Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos. Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; era peregrino e não me acolhestes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão e não me visitastes'. Também estes lhe perguntarão: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, peregrino, nu, enfermo, ou na prisão e não te socorremos?'. E ele responderá: 'Em verdade Eu vos declaro: todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer'. E estes irão para o castigo eterno, e os justos, para a vida eterna.”
(Mt 25, 34 - 46)
Com isso, concluímos este raciocínio breve inserindo mais uma personagem na história: o outro! Sim, nosso próximo é o terceiro na ordem do amor, pois, é nele que expressamos nossa doação a Deus de forma mais perfeita, como ensina São João em sua primeira carta:
“Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão.”
(4, 20 - 21)
Só conseguiremos amar o outro por causa de Deus, e assim cumprir o que São João ensina, se tivermos bem clara qual a nossa posição real diante de Deus. Se falta a humildade, falta a Fé, e se falta a Fé, não há vida espiritual, não há relacionamento com Deus. Por isso, contra o orgulho, sempre que você for assaltado por pensamentos de vanglória, pense neste conselho de São Josémaria Escrivá, e coloque-se em seu lugar de novo:
“Tu não podes tratar ninguém com falta de misericórdia; e, se te parecer que uma pessoa não é digna dessa misericórdia, tens de pensar que tu também não mereces nada. - Não mereces ter sido criado, nem ser cristão, nem ser filho de Deus, nem pertencer à tua família...”
(Forja, 145)
Que possamos repetir com o humilde centurião, todos os dias de nossas vidas, a seguinte máxima: “Domine, non sum dignus”. Porque, realmente, por nossos próprios méritos, não somos dignos de nada! E então, se cumprirá o que o Senhor prometeu: "Porque todo aquele que se exaltar será humilhado, e todo aquele que se humilhar será exaltado." (Lc 14, 11) Que assim seja!