Sanctus
Mulher, eis aqui o teu filho...Eis aqui a tua mãe.
(João 19,26-27)
Cinco dias antes, Jesus fizera a Sua entrada triunfal em Jerusalém. Aos Seus ouvidos soavam gritos de triunfo; o chão que os Seus pés pisaram foi juncado de folhas de palmeira, e nos ares ecoaram aclamações ao filho de David, e louvores ao Sagrado Filho de Israel. Àqueles que se mantiveram silenciosos durante as demonstrações feitas em Sua honra, Nosso Senhor lembrou que se as suas vozes não se faziam ouvir, as próprias pedras falariam por eles. Esse foi o dia de nascimento das catedrais góticas.
Eles não conheciam a verdadeira razão pela qual Lhe chamavam Sagrado, nem tampouco compreendiam o motivo que levava Jesus a aceitar o tributo dos seus louvores. Eles pensavam que aclamavam uma espécie de rei da terra. Jesus aceitou essas demonstrações porque ia ser o Rei de um império espiritual. Ele aceitou os seus tributos, as suas aclamações e exclamações de louvor porque caminhava, como uma vítima, ao encontro da Sua Cruz.
Toda a vítima deve ser sagrada – Sanctus, Sanctus, Sanctus.
Cinco dias depois, verificou-se o “Sanctus” da Missa do Calvário; mas naquele “Sanctus” da Sua Missa, Jesus dirigiu-Se àqueles que já eram santos – a Sua querida Mãe e ao Seu bem-amado discípulo João.
Palavras tocantes foram essas: “Mulher eis aqui o teu filho... Eis aqui a tua Mãe!”.
Falando agora aqueles que já eram santos, Jesus não carecia da divina intercessão, pois Ele era o Filho de Deus. Nós, todavia, precisamos de santidade, pois cada vítima da Missa deve ser santificada, impoluta.
Como podemos, porém, ser os santos participantes do Sacrifício da Missa?
Segundo a própria resposta de Jesus, consegui-lo-emos colocando-nos sob a proteção da Sua Mãe Santíssima. Ele dirige-Se à Igreja e a todos os seus membros, representados na pessoa de João, e diz a cada um de nós: “Eis a tua mãe”.
Por que foi, porém, que Jesus se dirigiu a Maria, chamando-lhe Mulher, em vez de Mãe? É que ela era agora a Mãe de todos os cristãos, e a Sua missão era universal – Mãe do Corpo Místico da Igreja, Mãe de todos nós.
Há um tremendo mistério oculto naquela palavra “Mulher”. Essa foi, realmente, a última lição de renúncia que Jesus deu a Maria, e a primeira lição de um novo laço. Nosso Senhor alienara gradualmente a Sua afeição por Sua Mãe, não porque a amasse menos, mas sim e apenas porque ela tinha agora mais a quem amar.
Maria desprendia-se da maternidade da carne, para se prender mais à grande maternidade do espírito. Daí, o emprego da palavra "Mulher". Ela havia de fazer de nós outros tantos Cristos, porque fora ela quem criara o Filho de Deus. Só Maria podia transformar-nos em criaturas santificadas, dignas de pronunciar o Sanctus, Sanctus, Sanctus da Missa do Calvário.
...Maria teve o seu primogênito em Belém. Note-se que São Lucas chama a Nosso Senhor primogênito, não porque Maria tivesse outros filhos, segundo a carne, pois a sua segunda maternidade seria de caráter espiritual. No momento em que Nosso Senhor lhe disse "Mulher", Ela tornou-se, de certa maneira, esposa de Cristo e concebeu em dor o seu primeiro filho espiritual, cujo nome foi João.
...A nossa vantagem foi, porém, maior, pois, ao passo que Maria não adquiria mais do que filhos insubmissos e tantas vezes rebeldes, nós obtínhamos a mais adorável das mães que existem no mundo - A Mãe de Jesus.
Nós somos filhos de Maria. - literalmente, filhos. Ela é nossa mãe, não por título de ficção, nem de cortesia; ela é nossa mãe porque sofreu naquele momento memorável, e por todos nós, as dores da maternidade. E porque é que Deus quis que ela fosse nossa mãe? Porque Ele sabia que, sem a sua proteção e auxílio, jamais seríamos santificados. Jesus veio até nós por intermédio da pureza de Maria, e só através da pureza de Maria conseguiremos chegar até junto d'Ele.
...Note-se que quando tal palavra foi dirigida a Maria, estava prostrada junto à Cruz, uma outra mulher. Já repararam que, praticamente, todas as imagens tradicionais da Crucifixão representam sempre Madalena ajoelhada aos pés da Cruz?
Nunca vimos, no entanto, uma imagem de Maria prostrada. João estava presente e refere no seu Evangelho que ela estava de pé. E porque? Porque era a posição que lhe competia no papel que ali desempenhava, em relação a nós. Maria, a nossa Mãe.
Se Maria estivesse prostrada por terra, naquela hora, tal como Madalena, se ela tivesse sequer chorado, a sua mágoa teria tido um lenitivo. As dores que não desafam, esmagam o coração. Essa dor foi parte do nosso preço de compra, pago pela nossa co-Redentora, Maria, a Mãe de Deus!
Nosso Senhor deixou-a ficar sobre a terra quando Ele subiu aos céus, para que ela fosse a mãe da Igreja, a nossa mãe. A Igreja, infante ainda, carecia do amparo materno, tal como Jesus quando era menino. E foi assim que Maria permaneceu sobre a terra, até que os seus filhos, a sua família se criassem e desenvolvessem. E foi essa a razão porque a encontramos orando com os Apóstolos, enquanto aguardavam a vinda do Espírito Santo.
Mais tarde, foi para o céu, coroada de Rainha dos Anjos e dos Santos, para assistir a outra boda de Caná e interceder por nós, junto ao Salvador, pois nós éramos seus filhos, irmãos de Cristo, e filhos do Pai Celestial.
...A nenhum outro santo podemos falar como uma criancinha fala a sua mãe, pois nenhuma outra virgem, ou mãe, ou mártir, ou confessor jamais sofreu tanto por nós como ela sofreu. Ninguém jamais firmou tão solidamente os nossos direitos à proteção e ao amor.
Maria é a medianeira de todas as graças que Jesus pode dispensar-nos, pois foi por intermédio de Maria que Jesus veio até nós. Desejamos ser santificados, mas sabemos que tal só é possível por meio de Maria, pois ela foi a dádiva que Jesus nos ofereceu no Sanctus da Sua Cruz.
Não há mulher que possa esquecer o filho das suas entranhas. Maria não pode, pois, certamente, esquecer-nos. É precisamente isso que nós sentimos no íntimo dos nossos corações. Em todas as circunstâncias da nossa vida, nossa Mãe Santíssima vela por nós, pos ela vê em cada um dos seus filhos a criança inocente da Primeira Comunhão, o pecador penitente, encaminhando-se para a Cruz, o coração despedaçado, suplicando que a água da vida dissipada se transforme no vinho do amor de Deus.
Em todas essas circunstâncias ressoam aos ouvidos de Maria as palavras pronunciadas do alto da Cruz, sobre o Calvário:
"Mulher , eis o teu filho!"
(Excertos de O Calvário e a Missa - Arcebispo Fulton J.Sheen)
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