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Ritos de Preparação Imediata: Éfeta

 



Nos séculos IV e V, os eleitos se reuniam na manhã do sábado santo para uma reunião que correspondia ao sétimo escrutínio. Era a última e decisiva preparação para os sacramentos da iniciação. Começava com um exorcismo. Na diocese de Milão, a única onde encontramos este rito, que depois se generalizou, tem-se o éfeta (adoto a grafia do RICA), a abertura dos sentidos, ouvido e boca, seguida pela renúncia a Satanás e suas pompas. Terminava com a unção com óleo no peito e nas costas, como se procedia com atletas. Depois de uma oração em silêncio, eram despedidos. Deviam manter o jejum e o clima de recolhimento, voltando para a vigília da noite. Estes ritos variaram em seus gestos e símbolos de acordo com a região e o momento histórico até que foram unificados pela Igreja no Ocidente.


         O RICA os recolhe sob o título de Ritos de Preparação Imediata e os propõem para o Sábado Santo, pela manhã ou no começo da tarde: “Se os eleitos puderem reunir-se no Sábado Santo, a fim de se prepararem para os sacramentos pelo recolhimento e a oração, propõem-se os ritos seguintes” (n.193). Em uma celebração que se inicia com a liturgia da Palavra, procede-se com a Recitação do Símbolo, o Rito do Éfeta, a Escolha do nome cristão e o Rito da unção. A Escolha do nome cristão não encontramos no período em que temos estudado. A ordem também não é sempre a mesma. Não pretendemos apresentar os ritos conforme o RICA, mas apenas algumas ideias para enriquecer nossa abordagem, recuperando sobretudo seu contexto de origem. Santo Ambrósio nos apresenta assim o rito do Éfeta:


         “O que fizemos sábado? A abertura: esses mistérios da abertura foram celebrados quando o sacerdote tocou os teus ouvidos e tuas narinas. O que significa isso? No Evangelho, nosso Senhor Jesus Cristo, ao lhe apresentarem um surdo-mudo, tocou seus ouvidos e sua boca; os ouvidos, porque era surdo; a boca, porque era mudo. E disse: “Effeta”. O termo é hebraico e, traduzido, significa “Abre-te”. Portanto, o sacerdote tocou teus ouvidos para que teus ouvidos se abrissem à palavra e ao sermão do sacerdote” (AMBRÓSIO, Sobre os Sacramentos, I,2).


         Logo Ambrósio trata de explicar porque o sacerdote toca as narinas e não a boca, como seria de esperar pelo rito:


“Tu me dirás: Por que as narinas? Lá, porque era mudo, tocou-lhe a boca; como não podia falar sobre os sacramentos celestes, recebia assim a palavra de Cristo. Lá, se tratava de um homem, aqui as mulheres são batizadas, e a pureza do servo não é a mesma que a do mestre, pois enquanto este perdoa os pecados, para estes os pecados são perdoados. Como pode haver comparação? Assim, por respeito ao ato e à função, o bispo não toca a boca, mas as narinas. Por que as narinas? Para que recebas o bom odor da piedade eterna, a fim de dizeres: “Somos o bom odor de Cristo para Deus” (2Cor 2,15), como disse o santo Apóstolo, e haja em ti a plena fragrância da fé e da devoção” (AMBRÓSIO, Sobre os Sacramentos, I,3).

         Parece que a princípio, o sacerdote tocava a boca e os ouvidos com o polegar umedecido com saliva. Mas em Ambrósio já encontramos uma alteração, ao invés da boca, as narinas, por uma questão comportamental, isto é, ao sacerdote, homem, não ficava bem tocar a boca de uma mulher, ainda que nesse contexto batismal. Isto fez que o sentido se alterasse também: não mais a capacidade de proclamar a Palavra recebida, mas “o bom odor da piedade eterna”. No ritual romano antigo, esse rito estava inserido mais propriamente num contexto de exorcismo. O sacerdote ao tocar os eleitos dizia: “Éfeta, isto é, abre-te para a doce fragrância. Mas tu, Satanás, põe-te em fuga porque o juízo de Deus está próximo”.


         O evangelho que ilumina esse rito é Mc 7,31-37: “Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galiléia, atravessando a região da Decápole. Levaram então a Jesus um homem surdo e que falava com dificuldade, e pediram que Jesus pusesse a mão sobre ele. Jesus se afastou com o homem para longe da multidão, em seguida pôs os dedos no ouvido do homem, cuspiu e com a sua saliva tocou a língua dele. Depois olhou para o céu, suspirou e disse ‘éfeta!’, que quer dizer ‘abre-te’. Imediatamente os ouvidos do homem se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. Jesus recomendou com insistência que não contassem nada a ninguém. No entanto, quanto mais ele recomendava, mais eles pregavam. Estavam muito impressionados e diziam: ‘Jesus faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvir e os mudos falar”.


         Os sentidos são “canais” a partir dos quais nos relacionamos com o mundo a nós circundante. Temos cinco sentidos fundamentais: paladar, visão, audição, tato e olfato. É interessante notar que nos domingos do ano A, apropriados para o catecumenato, temos a chamada “quaresma joânica”, ou seja, os domingos orientados pelo evangelho segundo João e que envolvem os sentidos. Podemos apresentar de forma esquemática:


No terceiro domingo da quaresma, temos o primeiro escrutínio, iluminado pelo evangelho da Samaritana (Jo 4,5,42); o tema pode ser evocado como “Água viva” ou “alimento novo”. O sentido vital que é posto em evidência é o gosto, o paladar.

No quarto domingo da quaresma, temos o segundo escrutínio, iluminado pelo evangelho do Cego de nascença (Jo 9,1-41); o tema pode ser evocado como “Eu sou a luz do mundo”.  O sentido vital que é posto em evidência é a vista.

No quinto domingo da quaresma, temos o terceiro escrutínio, iluminado pelo evangelho de Lázaro (Jo 11,1-46); o tema pode ser evocado como “Eu sou a ressurreição e a vida”.  O sentido vital que é posto em evidência é a tato.

No Sábado Santo, com o rito do Éfata, temos em destaque os outros dois sentidos, além do paladar/boca: a audição e o olfato. “Somos o bom odor de Cristo para Deus”. Uma vez fiel, nossa boca deve se abrir para anunciar a Boa Nova: “Jesus faz bem todas as coisas”.


O RICA propõe este rito assim: “quem preside, tocando com o polegar os ouvidos e os lábios de cada eleito diz”:

“Éfeta, isto é, abre-te, a fim de proclamardes o que ouviste, para o louvor e glória de Deus” (n.202).


A seguir, pode-se fazer o rito da Escolha do nome cristão (RICA n.203ss). Muitos motivos podem fazer com que os pais escolham um determinado nome para seus filhos. Perpetuar um nome de família; homenagear alguém ou algum santo ou santa de devoção; algum evento cósmico ou histórico etc. Um belo exemplo brasileiro é o nome Aparecida. Quando o cristianismo começou a evangelizar os não judeus, muitos deles tinham nomes ligados às divindades pagãs, razão pela qual se incentivava a troca por um nome cristão. No ocidente cristão, isso já é mais incomum. Por isso, não é necessário que aconteça. A mudança de nome no mundo moderno também é muito mais complexa. Por outro lado, como começamos a vivenciar um processo de descristianização de nossa cultura, é um momento oportuno para refletir sobre a importância de escolher bem o nome dos filhos, evitando nomes inspirados nos novos “ídolos” ou, ao menos, que não sejam ofensivos à fé cristã.

A mudança de nome simboliza também a nova condição que o eleito irá assumir; a sua nova identidade frente a comunidade eclesial. Em geral, os textos bíblicos que iluminam esse rito fazem referência à troca de nome de Abrão para Abraão e de Saulo para Paulo; ao de Simão para Pedro (Mc 3,16).   


Artigo de Padre Belini, colunista do Jornal Servindo

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