Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares
Antes de contar a história dos Santos Mártires de Cunhaú e Uruaçu precisávamos falar sobre a invasão dos holandeses do Brasil colonial. O primeiro contato dos batavos com a região do Rio Grande se deu, segundo Câmara Cascudo, em 1625, quando uma grande esquadra, comandada por Edam Boudewinj Hendrikszoon ancorou na Baía da Traição. Vindos da Bahia, defensores dos domínios holandeses em Salvador, aportaram em nossas terras com os marinheiros doentes de escorbuto. O escorbuto é uma doença que causa inicialmente cansaço e fraqueza, além de braços doloridos, com a progressão da doença as gengivas ficam inflamadas e as hemorragias são comuns. Por fim, alterações de personalidade são encontradas e a morte pode acontecer por causa das hemorragias. Tudo isso por insuficiência na dieta de vitamina C. Para salvar os marinheiros, o capitão Hendrikszoon aportou e enviou uma patrulha em busca de frutas para os doentes. Retornaram trazendo cajus e araçás e vários índios potiguares que foram embarcados e levados para a Holanda onde aprenderam o idioma do país e foram convertidos na religião reformada. Estes índios retornariam, anos mais tarde, como tradutores e principais artífices dos acordos entre os potiguares e os holandeses.
Como dizem Luiz Eduardo Suassuna e Marlene Mariz, a conquista de Recife e Olinda ocorreu com relativa facilidade, havendo resistência somente nos engenhos mais afastados, como no Arraial do Bom Jesus. A Paraíba também ofereceu resistência, porém no Rio Grande, com sua posição estratégica para a navegação e grande produção pecuária, voltada para o abastecimento da região açucareira, os holandeses tiveram apoio dos indígenas para tomar todo o território.
Em 2 de outubro de 1631, Marcial, um indígena fugitivo das missões portuguesas, apresentou-se ao Conselho Político do Brasil Holandês, em Recife, acompanhado dos índios que haviam sido levados à Holanda por Hendrikszoon. Ele informava que os líderes indígenas, Cariri, Janduí e Oquenuçu desejavam construir uma aliança com os holandeses contra os portugueses. “O conselho resolveu mandar um iate para conferir as informações nas terras do Rio Grande”, como dizem Luiz Eduardo Suassuna e Marlene Mariz. Com a confirmação, uma expedição foi organizada já em 21 de dezembro de 1631.
Essa expedição era dirigida pelos conselheiros Servaes Carpenter e Van der Hargen, enquanto as tropas estavam sob o comando do tenente-coronel Hartman Godefrid Van Steyn-Callefels. Eram catorze navios e pelo menos 10 companhias de guerra (cada uma tem por volta de 100 homens). Eles desembarcaram em Ponta Negra e, a pé, tentaram invadir Natal, sem o apoio indígena, que eles julgaram não necessário. As tropas invasoras foram direto ao Forte dos Reis Magos e foram, rapidamente, rechaçados pelo capitão-mor Cipriano Pita Porto Carreiro. A derrota atrasou os planos holandeses. Somente em 5 de dezembro de 1633 uma nova expedição foi organizada, agora apesar de menor (com 808 soldados e doze navios), e trazia muito mais suprimentos (agora eles esperavam montar um cerco de pelo menos nove semanas), sob direção de Servaes Carpenter e Mathijs Van Keulen, e comandadas pelos tententes Jan Corlisz Lichthardt e Baltazar Bijma.
Afirma Tavares de Lyra que o desembarque se deu a 8 de dezembro de 1633 em Ponta Negra. E Rocha Pombo informa que o Van Keulen, assim que aportou, recebeu uma comissão indígena, organizando com os líderes o ataque a cidade. Pelo menos 300 indígenas foram convocados a lutar do lado holandês. A pé, eles chegaram a cidade, as 15h da tarde, tomando primeiro Natal, enquanto a esquadra avançava para atacar, por mar, o Forte dos Reis Magos. Com as forças divididas, rapidamente Natal caiu, e as tropas puderam se reunir no Forte. O ataque se iniciou dia 9 de dezembro e permaneceu ininterrupto até dia 12. Canhões atingiam o forte a qualquer hora do dia dos navios. Um bombardeiro atirava granadas das dunas. Tiros de assustamento e gritos eram dados ao sopé da muralha durante toda a madrugada. Na manhã do dia 12, o vento batia uma bandeira branca. Era a rendição.
Uma carta foi trazida aos holandeses com os termos da rendição. Rocha Pombo afirma que os holandeses ficaram exitantes em aceitar a rendição porque a carta que trouxeram-lhes não tinha a assinatura do capitão-mor. O mensageiro disse que o capitão-mor Pero Mendes Gouveia estava muito enfermo e, por isso, não podia assinar. Alguns historiadores, por isso, imaginam um motim por trás das muralhas. O capitão-mor, que antes teria declarado que só entregaria a praça a um delegado do seu rei, protestou contra a rendição. O registro ficou no diário de Mathijs Van Keulen. Ele afirmou que tinham roubado as chaves de seu gabinete enquanto dormia (único lugar onde havia tinta e papel para a carta) e que o capitão Sebastião Pinheiro Coelho teria forjado a carta de rendição. “Eu quero morrer em nome do meu rei!”, teria dito. O fato é que 90 homens se renderam, podendo deixar a capitania levando sua bagagem, mas deixando os víveres, artilharia e munição, na fortaleza que agora pertencia a Companhia das Índias Ocidentais.
O forte foi renomeado como Castelo Ceullen, ganhando um novo comandante, o capitão Joris Gastman, mais 150 soldados e 70 fuzileiros, que seriam responsáveis pelo patrulhamento da cidade e Natal passou a se chamar Nova Amsterdã. Os moradores da cidade, no entanto, fugiram. Recolheram-se nos engenhos, sobretudo Ferreiro Torto, em Macaíba, e Cunhaú, em São José do Mipibu. Esperavam convictos de que seriam socorridos por tropas da Paraíba e de Pernambuco, coisa que nunca aconteceu. Pelo contrário, agora, sem a repressão do rei de Portugal, os indígenas, principalmente aqueles liderados pelo chefe Janduí, passaram a perseguir os portugueses.