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Dia de Todos os Santos e Dia de Finados






NESTE INÍCIO DE semana, a Igreja celebra duas festas litúrgicas intimamente relacionadas ao Mistério da comunhão dos santos: a Solenidade de Todos os Santos, no dia 1º de novembro, e a Comemoração dos Fiéis Defuntos, no dia 2. Estas festas nos recordam que “todos os que somos filhos de Deus (...) constituímos uma única Família em Cristo”[1], na qual nos amamos e nos auxiliamos mutuamente.


O Catecismo da Igreja Católica, citando a constituição Lumen Gentium, ensina que, atualmente, a Igreja existe em “três estados”:

“Até que o Senhor venha em sua Majestade e, com Ele, todos os anjos, quando terá sido destruída a morte e todas as coisas lhe forem sujeitas, alguns dentre os seus discípulos peregrinam na Terra, outros, terminada esta vida, são purificados, enquanto outros ainda são glorificados, vendo ‘claramente o próprio Deus trino e uno, assim como é.”

Esta passagem trata 1) de nós mesmos – , que caminhamos ainda sobre esta Terra, que somos Igreja militante e peregrina –, 2) das almas que são purificadas no Purgatório, aguardando o dia glorioso de adentrarem o Paraíso celeste e eterno, e 3) de todos os santos e santas de Deus que já estão no Céu, a Igreja triunfante, pura e imaculada[2].


Apesar destas diferenças, somos todos membros do Corpo Místico de Cristo que é a sua Igreja. Assim como a alma está para o corpo, o Espírito Santo está para a Igreja, Corpo santo, unindo os fiéis do Céu e da Terra e santificando-os com os mesmos tesouros espirituais.


No dia primeiro de novembro, festeja-se, assim, odia que deveria ser também nosso, na Solenidade de Todos os Santos. Lamentavelmente, têm-se perdido a correta noção do que seja um “santo”, inclusive porque confunde-se o significado de pessoa santa e pessoa salva. Quem está no Purgatório, por exemplo, está salvo, mas ainda não totalmente santificado, no sentido pleno da palavra (saiba mais). Os santos canonizados, ao contrário, já completaram toda a sua purificação nesta vida e, portanto, foram diretamente para o Céu.


Aqui encontra-se mais uma medida que compõe o grande abismo que separa católicos e protestantes. Os primeiros creem que a santidade é possível neste mundo e acreditam firmemente que, por auxílio da Graça – e também por mérito próprio – a pessoa humana pode chegar a dizer com São Paulo: “Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim”[3]. Os santos, na Igreja Católica, são cristãos que alcançaram tal grau de perfeição ao se configurarem a Cristo de maneira que Ele mesmo se faz Presença viva neles. Como ensina Santo Irineu de Lion, Padre da Igreja, “Gloria Dei vivens homo – a Glória de Deus é o homem vivo”[4], isto é, o homem que vive em Cristo. Por isso, depois que morrem, os santos, vendo Deus face a Face, podem interceder por nós junto a Ele.


Mas, para os protestantes, Deus operaria as coisas “diretamente”, sem precisar de ninguém. Sem dúvida –, e os católicos creem nisto –, Deus não precisa de Suas criaturas, mas toda a história da salvação testemunha que, mesmo não precisando, Ele quer precisar delas. Deus não precisava, por exemplo, servir-se de um homem e de uma mulher para gerar novas vidas no mundo. Num estalar de dedos, os seres humanos podiam simplesmente brotar da grama, como os cogumelos. Todavia, Ele quis depender da ação de um pai e de uma mãe para tanto. A beleza da fé católica está justamente na ação de Deus que ama as suas criaturas por meio destas mesmas criaturas, fazendo-as participar de sua Bondade e de seu Amor: é o caso dos anjos do Céu, por exemplo, especialmente os anjos da guarda.


Entretanto, está escrito: “Há um só Mediador entre Deus e a humanidade: o homem Cristo Jesus”[5]. Verdade divina, na qual cremos desde sempre. Todavia, nos Atos dos Apóstolos é narrado o episódio de Pedro Apóstolo que, estando no cárcere, foi libertado pela ação de um anjo de Deus e da Igreja (atenção) que “orava continuamente a Deus por ele”[6]. Isso mostra como a Mediação de Cristo diz respeito à Mediação de Seu Corpo todo, seja por meio dos santos e anjos, que estão no Céu, seja pelos fiéis militantes, que estão na Terra[*]. Se admitimos a intercessão dos anjos e dos vivos, temos que admitir a dos que estão mortos para este mundo porém mais vivos do que nós no Céu, em Cristo, pois as Sagradas Escrituras também nos garantem que nada pode nos separar do Amor de Cristo, nem mesmo a morte[7].

Crer no contrário seria crer que os membros do Corpo Místico de Cristo, uma vez mortos, estão “excomungados”. Absurdo! A comunhão com a Igreja é mais forte que a morte. Portanto, os santos, que já estão com o Senhor, rezam conosco e por nós. Glória a Deus!


* * *

Além de todo o exposto até aqui, é agradável a Deus a intercessão de seus amigos, os santos. Lutero e seus seguidores não aceitam que alguém mereça, por seu amor a Deus, ser atendido por Ele. O protestantismo nega a doutrina do mérito. Para eles, “tudo é Graça”. Os católicos entendem que, realmente, tudo – inclusive o próprio mérito que possuímos – é Graça. Os santos receberam muitíssimas graças de Deus, entre as quais está a própria graça de merecer. Por isso, aqueles que amaram muito ao Senhor merecem ter as suas preces ouvidas por Ele.


Por fim, lembremo-nos sempre que não existem apenas os fiéis que estão no Céu. A Celebração dos Fiéis Defuntos recorda que nem todos os que se salvam vão diretamente para a Vida eterna em Cristo. O Purgatório é parte do Depósito de Fé e da Doutrina da Igreja de dois mil anos. Os primeiros cristãos nas catacumbas já rezavam pelos mortos. Ora, sabendo que depois da morte não existe uma “segunda chance” de salvar-se, essa prática só pode indicar a existência de uma purificação após a morte, para aqueles que já se salvaram, mas, em vida, não amaram a Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento[8]. Infelizmente, esse é o estado em que se encontram muitos de nós, por conta de nossos pecados e de nossa falta de generosidade com Deus. Se não nos purificarmos nesta vida, seremos purificados na futura. Cremos que só se entra no Céu totalmente santo. Por isso, é importante que, em um ato de caridade, sufraguemos as almas dos fiéis defuntos –, isto é, peçamos e intercedamos por elas, com orações, jejuns, penitências, atos concretos de caridade –, a fim de que se purifiquem o mais breve e entrem na posse eterna da perfeita Alegria em Deus.
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Notas
1. Catecismo da Igreja Católica, 959
2. Ibidem, 954
3. Gl 2, 20
4. Adversus haereses, IV, 20, 7
5. 1Tm 2, 5
6. At 12, 5
7. Cf. Rm 8, 35-39
8. Cf. Dt 6, 5; Mt 22, 37

* Já a Mediação direta de Cristo refere-se à única Mediação capaz de salvar as almas e garantir aos seres humanos convertidos a vida eterna no Céu. Nenhum, absolutamente nenhum santo e nenhum anjo de Deus, por mais agraciado que seja, tem o poder ou teria a capacidade de nos remir dos nossos pecados, que nos condenam à morte e ao Inferno. Somente Jesus Cristo, sendo Deus, poderia nos resgatar desta dívida incomensurável e impossível de ser quitada (por ser ofensa a Deus que é infinitamente Bom e infinitamente digno de ser amado e respeitado) por meio do seu Sacrifício redentor.

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** Adaptado do artigo 'Todos os Santos e Finados, a Igreja, comunhão e mediação dos santos', publicado no site do pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, disp. em:
https://padrepauloricardo.org/episodios/todos-os-santos-e-finados-a-igreja-comunhao-e-mediacao-dos-santos

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